A Justiça Brasileira vive um momento de transição entre os processos “físicos” e os processos digitais, surgindo algumas dúvidas quanto ao funcionamento dessa nova “máquina judicial” que se propõe a ser mais rápida e eficiente.
Apesar de ser adepta e defensora das boas práticas de gestão aplicadas ao Poder Judiciário, essa semana sobreveio uma dúvida que talvez outros colegas também compartilhem, mas não expressaram: como será o dia-a-dia dos advogados, funcionários e juízes? Como será o relacionamento entre as pessoas? Não haverá mais contato pessoal entre advogados, funcionários e juízes?
A distância entre os advogados e os magistrados é crescente no dia-a-dia e cada vez mais os juízes evitam conversar com os advogados, interpondo assessores e estagiários como filtros e, muitas vezes, até como guardiões do sossego do magistrado. Às vezes sob o argumento que não tem tempo para atender devido à sobrecarga de serviço, outras tantas orientam o advogado a “peticionar” ao invés de conversar.
Muitos dos meus colegas magistrados não são assim, mas infelizmente essa prática de afastamento entre juízes e advogados vem se alastrando no primeiro grau e impede que o advogado faça uma parte importante do seu trabalho: trazer a real situação vivida pela pessoa que é parte em um processo judicial.
Meu pai sempre disse “papel aceita tudo”, mas no contato pessoal é que a verdade aparece e é exatamente por isso que o Código de Processo Civil determina que o magistrado condutor da instrução deve ser aquele que julga o processo.
Ao que tudo indica, o processo digital vai afastar ainda mais os advogados dos magistrados e também dos funcionários, tornando-se um Call Center gigantesco, fazendo com que o advogado passe por no mínimo cinco funcionários para conseguir falar com o assessor jurídico do magistrado e se insistir muito, obterá sucesso em falar com aquele que julgará a causa.
Se antes tínhamos contato pessoal com os escrivães e funcionários, agora tudo é feito eletronicamente, tudo tem que ser “peticionado”, não há mais aquela velha e boa conversa para resolver a situação. É o processo pelo processo, num retrógrado burocratismo que permeia a república brasileira desde o seu nascimento.
Pergunto-me se esse sistema está preparado para decidir coisas importantes como direitos humanos, direitos dos homossexuais, direito dos idosos, genética, identidade biológica e afetiva e outros tantos temas, ou se está sendo preparado um sistema judicial que está apto apenas para cobrar tributos (execuções fiscais), executar dívidas bancárias e conceder indenizações por má prestação de serviços.
Me parece que o Poder Judiciário está muito preocupado com demandas repetitivas, cuja solução deveria vir do Poder Executivo através de sistemas eficientes de controle, como por exemplo, o PROCON, que deveria ser o responsável por essas milhares de causas que aportam todos os dias no Poder Judiciário para discutir se uma televisão deve ser devolvida ou consertada.
O Poder Judiciário não deveria servir para isso. Nossos Juízes são pessoas que estudaram muitos anos, se preparam para solucionar grandes causas, mas na prática estão açodados com processos que, sinceramente, deveriam ser solucionados administrativamente.
A solução para essas milhares de ações repetitivas não passa pelo Poder Judiciário, mas sim de um sistema mais eficiente que impeça essas situações de ocorrerem. O Poder Judiciário não pode ser usado para tudo, ele sozinho não é a solução do Brasil.
Precisamos de um sistema de arrecadação de impostos mais simples. Precisamos de um sistema de cobrança de impostos que não dependa do Poder Judiciário (estima-se que cerca de 30% do serviço judicial é para essa finalidade).
As reformas que o Brasil precisa passam pela valorização do Poder Judiciário e utilização de outros mecanismos para efetivar os direitos conquistados pelos Brasileiros. Não é razoável que cada vez que um lojista deixa de devolver o dinheiro pago por um produto não entregue tenhamos que processar judicialmente tal lojista e aguardar cinco anos para receber algo de volta.
Precisamos pensar de forma mais abrangente, precisamos de soluções que valorizem os profissionais do direito que pagaram um preço algo para ocuparem esses cargos que hoje se parecem mais com Call Centers do que Cortes de Justiça.
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